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domingo, 27 de outubro de 2013

O Martírio Cristão: Testemunho e Comunhão

O MARTÍRIO CRISTÃO: TESTEMUNHO E COMUNHÃO

Maria Clara Lucchetti Bingemer


Os quatro primeiros séculos do Cristianismo foram marcados por violentas perseguições que levaram à morte muitos cristãos. A palavra usada para designar essa morte violenta sofrida por fidelidade a Jesus Cristo é a palavra martírio, que em grego significa testemunho. O Cristianismo, portanto, considera os mártires de ontem e de hoje como testemunhas fiéis de Jesus Cristo, que chegaram até o ponto de derramar seu sangue para proclamar sua pessoa e sua mensagem.

Se se tivesse que caracterizar com uma palavra a originalidade do martírio da Igreja antiga com relação ao das épocas ulteriores, cremos que a questão se centraria, sobretudo no aspecto catequético e missionário. A pequena seita que era o cristianismo dos primeiros tempos espalha rapidamente pelo mundo conhecido de então uma novidade espantosa: Deus, feito homem, nasceu, viveu, morreu e ressuscitou por nossa salvação e isto é anunciado às duas sociedades religiosamente heterogêneas, mas historicamente entrelaçadas que são o paganismo greco-romano e o judaísmo.

O martírio acontece juntamente com o trabalho missionário do anúncio (kerygma) e aprofundamento do anúncio (catequese) dos primeiros missionários. A morte dos mártires, portanto, em conseqüência da violência que sofrem, é quase – por assim dizer – uma morte “didática”. Os primeiros cristãos morrem por Cristo e por recusar prestar culto a outros deuses, em fidelidade a Ele. Mas morrem também como Cristo, imitando sua Paixão, que assim é dada novamente a ver no sacrifício de seus discípulos.

O martírio dá também testemunho da distância entre culturas. Ao mesmo tempo em que o anúncio cristão é desde os inícios, um anúncio inculturado há uma distância entre culturas, cavada pelo Evangelho, que é tão patente que as duas sociedades respondem pela suspeita e pela rejeição. Cada uma tem suas razões. Os Judeus não podem admitir a idéia de um Deus encarnado. Os pagãos, que são mais tolerantes neste sentido, têm outras razões para perseguir os cristãos. Roma detém o poder, que por sua vez foi retirado dos gregos e judeus, de aplicar a pena capital colocando o César como de direito divino. Ora, os cristãos não reconhecem essa prerrogativa no Imperador. Não chamam o César de “senhor” pois para eles há um só Senhor.

Os romanos pelos suplícios infligidos aos cristãos, preenchem então uma tríplice função: punir, dissuadir e divertir, já que as execuções em geral acontecem em meio aos jogos circenses, com os cristãos jogados às feras, expostos ao grande público.

Visto desde o ponto de vista dos cristãos, a realidade do martírio oferece uma significação oposta. Eles desejam testemunhar diante do mundo e dos homens, dando um sentido a sua morte cujo ato público resulta em glória e pode semear o anúncio evangélico entre aqueles que a presenciam. O martírio cruento – que não podia ser buscado deliberadamente - era, pois, para os cristãos, objeto de um desejo ardente, pois se tratava de uma graça gratuita e não merecida que os assemelhava mais ao próprio Cristo.

A Igreja Primitiva assimilou de maneira profunda e criativa a convicção de que todas as pessoas – homens ou mulheres, velhos ou crianças - que derramaram seu sangue pela fé em Jesus Cristo estão profundamente identificados com a própria pessoa do Senhor morto e ressuscitado.

O abraçar o martírio e a morte violenta, além disso, carrega consigo a convicção do cristão de que esta vida criada por Deus nunca morrerá. Caminhando para o martírio, o mártir crê não caminhar para o seu fim, mas para a plenitude de sua humanidade e de sua vida.

Os mártires cristãos de hoje – Edith Stein, Monsenhor Romero, Ignácio Ellacuría - sob a perseguição e a violência nazista, comunista, ditatorial e imperialista continuam sendo sinais poderosos destas duas realidades que configuram o martírio cristão: testemunho diante do mundo e comunhão de amor até a morte com Jesus Cristo, seu Deus e Senhor.




Martín Martínez Pascual

BEATO MARTÍN MARTÍNEZ PASCUAL (1910-1936)
(Sacerdote espanhol, mártir)

Victor Tomás Henriques



Fotografias do Padre Martín Martínez Pascual, tirada momentos antes da sua morte por fuzilamento.

Martín Martínez Pascual nasceu em Valdealgorfa, província de Teruel e diocese de Zaragoza, a 11 de novembro de 1910.

Entrou para o seminário menor de Belchite e continuou seus estudos no seminário maior de Zaragoza até 1934/1935 quando ingressou na Fraternidade Sacerdotal de Sacerdotes Operários do Sagrado Coração de Jesus. Foi ordenado sacerdote a 15 de junho de 1935 e recebeu a missão de ser formador no Colégio de San José de Múrcia e professor no seminário diocesano de San Fulgencio.

Terminado esse ano letivo como professor, fez uns exercícios espirituais em Tortosa, de 26 de junho a 5 de julho de 1936. Em seguida foi de férias à sua aldeia, e ali foi surpreendido pela perseguição religiosa que se iniciou.

A 18 de agosto de 1936, pela manhã, as milícias republicanas e comunistas detiveram todos os sacerdotes que se encontravam em Valdealgorfa. Ao não encontrar Martín, prenderam o seu pai. Imediatamente, a família informou secretamente o Pe. Martín para que fugisse. Mas, este quando soube, foi entregar-se ao Comitê local dos milicianos: Um miliciano seu amigo, ainda o quis demover nas suas intenções, pedindo-lhe que fugisse. Mas o Pe. Martín diz-lhe que não podia consentir que o seu pai padecesse por ele, e que queria sofrer a mesma sorte que os outros sacerdotes. Já no Comitê, este miliciano ainda procurou salvar Martín, dizendo que se tratava de um jovem estudante. Mas, ele confessou abertamente que era sacerdote, e deu ao seu amigo um forte abraço, pedindo-lhe que o transmitisse aos seus familiares. “Eu quero morrer com os meus companheiros”, dizia.

De imediato o levaram a pé até à praça da aldeia, onde subiu para cima de um caminhão na companhia de outros cinco sacerdotes e nove leigos (foi de cima desse caminhão que o fotógrafo russo imortalizou a imagem do futuro Beato da Igreja Católica!) e seguiram na estrada de Alcaniz, onde os fuzilaram. Colocaram-nos de costas, mas o Pe. Martín quis morrer de frente, como o vemos na fotografia. Antes de o executarem, pelo simples delito de ser padre católico, perguntaram-lhe se desejava alguma coisa. Pe. Martín disse:

“Eu vos quero dar a minha bênção, para que Deus não tome em conta a loucura que estais a cometer”.

E depois de abençoá-los, gritou:

“Viva Cristo Rei!”.

Era o dia 18 de agosto de 1936, perto das 18h00.

Estas imagens, estas fotografias, belas e fortíssimas, quase hipnóticas, foram tiradas justamente momentos antes da sua morte por fuzilamento, por um, imaginem… um fotógrafo russo, provavelmente um dos muitos comissários políticos que Estaline enviou à Espanha na época. E o que vemos? Uma paz, um olhar tranquilo e sereno que nos desarma. Ao invés de possível desespero, raiva ou fraqueza emocional, tão comum à própria condição humana, perante o drama pessoal que se iria dar, vemos uma serenidade, um olhar firme, uma postura corajosa que é simplesmente impossível de não nos interpelar. Este jovem padre ia morrer assassinado. Ele sabia-o bem. Alguns de seus colegas no sacerdócio tinham sido executados pouquíssimos minutos antes. Mas olha o seu fotógrafo, cúmplice do assassinato covarde, com uma serenidade só possível de quem perdoa e ama os seus inimigos, como pediu Jesus. Quem é o cristão que pode ter medo da morte depois de olhar estas imagens?

O Pe. Martín Martínez Pascual foi beatificado na cidade santa de Roma, a 28 de outubro de 2007, em conjunto com mais 497 mártires da perseguição religiosa ocorrida no contexto da Guerra Civil Espanhola.

Que contraste com este jovem padre - que não hesitou em dar a sua vida por Cristo - encontro eu na minha vida de cristão, tantas vezes envergonhado de dar testemunho de Cristo em público ou perante os meus amigos, com medo de ser rotulado de retrógrado, homofóbico ou… imaginem a ironia… beato!!! E oxalá, nós cristãos, consigamos os méritos suficientes em vida, para que possamos verdadeiramente ser Beatos ou mesmo Santos! Pois se estes são os olhos de quem vai morrer, eu atrevo-me a dizer que são os olhos serenos de quem tem a certeza que sabe para onde vai e quem o espera!

Beato Martín Martínez, tu que estás na Glória do Paraíso, ora por nós a Nosso Senhor Jesus Cristo!


Fonte: Blog Mártires de Espanha: martiresdeespanha.blogspot.com.br