O MARTÍRIO
CRISTÃO: TESTEMUNHO E COMUNHÃO
Maria
Clara Lucchetti Bingemer
Os
quatro primeiros séculos do Cristianismo foram marcados por violentas
perseguições que levaram à morte muitos cristãos. A palavra usada para designar
essa morte violenta sofrida por fidelidade a Jesus Cristo é a palavra martírio, que em grego significa testemunho. O Cristianismo, portanto,
considera os mártires de ontem e de hoje como testemunhas fiéis de Jesus
Cristo, que chegaram até o ponto de derramar seu sangue para proclamar sua
pessoa e sua mensagem.
Se
se tivesse que caracterizar com uma palavra a originalidade do martírio da
Igreja antiga com relação ao das épocas ulteriores, cremos que a questão se
centraria, sobretudo no aspecto catequético e missionário. A pequena seita que
era o cristianismo dos primeiros tempos espalha rapidamente pelo mundo
conhecido de então uma novidade espantosa: Deus, feito homem, nasceu, viveu,
morreu e ressuscitou por nossa salvação e isto é anunciado às duas sociedades
religiosamente heterogêneas, mas historicamente entrelaçadas que são o
paganismo greco-romano e o judaísmo.
O
martírio acontece juntamente com o trabalho missionário do anúncio (kerygma) e
aprofundamento do anúncio (catequese) dos primeiros missionários. A morte dos
mártires, portanto, em conseqüência da violência que sofrem, é quase – por
assim dizer – uma morte “didática”. Os primeiros cristãos morrem por Cristo e
por recusar prestar culto a outros deuses, em fidelidade a Ele. Mas morrem
também como Cristo, imitando sua Paixão, que assim é dada novamente a ver no sacrifício
de seus discípulos.
O
martírio dá também testemunho da distância entre culturas. Ao mesmo tempo em
que o anúncio cristão é desde os inícios, um anúncio inculturado há uma
distância entre culturas, cavada pelo Evangelho, que é tão patente que as duas
sociedades respondem pela suspeita e pela rejeição. Cada uma tem suas razões. Os
Judeus não podem admitir a idéia de um Deus encarnado. Os pagãos, que são mais
tolerantes neste sentido, têm outras razões para perseguir os cristãos. Roma
detém o poder, que por sua vez foi retirado dos gregos e judeus, de aplicar a
pena capital colocando o César como de direito divino. Ora, os cristãos não
reconhecem essa prerrogativa no Imperador. Não chamam o César de “senhor” pois
para eles há um só Senhor.
Os
romanos pelos suplícios infligidos aos cristãos, preenchem então uma tríplice
função: punir, dissuadir e divertir, já que as execuções em geral acontecem em
meio aos jogos circenses, com os cristãos jogados às feras, expostos ao grande
público.
Visto
desde o ponto de vista dos cristãos, a realidade do martírio oferece uma
significação oposta. Eles desejam testemunhar diante do mundo e dos homens,
dando um sentido a sua morte cujo ato público resulta em glória e pode semear o
anúncio evangélico entre aqueles que a presenciam. O martírio cruento – que não
podia ser buscado deliberadamente - era, pois, para os cristãos, objeto de um
desejo ardente, pois se tratava de uma graça gratuita e não merecida que os
assemelhava mais ao próprio Cristo.
A
Igreja Primitiva assimilou de maneira profunda e criativa a convicção de que
todas as pessoas – homens ou mulheres, velhos ou crianças - que derramaram seu
sangue pela fé em Jesus Cristo estão profundamente identificados com a própria
pessoa do Senhor morto e ressuscitado.
O
abraçar o martírio e a morte violenta, além disso, carrega consigo a convicção
do cristão de que esta vida criada por Deus nunca morrerá. Caminhando para o
martírio, o mártir crê não caminhar para o seu fim, mas para a plenitude de sua
humanidade e de sua vida.
Os
mártires cristãos de hoje – Edith Stein, Monsenhor Romero, Ignácio Ellacuría -
sob a perseguição e a violência nazista, comunista, ditatorial e imperialista continuam
sendo sinais poderosos destas duas realidades que configuram o martírio
cristão: testemunho diante do mundo e comunhão de amor até a morte com Jesus
Cristo, seu Deus e Senhor.
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